Via-se mais como um espectador de um recital enigmático
feito em prosa lírica do que como um eu guardado e emoldurado...
Quanto de si ainda era fruto do passado, quanto era o desejo
de se tornar algo que ainda não tinha...? Entre os breves momentos em que
sabia-se mais ser do que ter, nessa transitoriedade, ordenava-se pelos pequenos
fragmentos do dia.
Uma estrada que mais tarde viria, o vinho que beberia, o
sono no leito eleito. Ainda assim tomava certas formas mitológicas
internamente, sem transparecer ausências.
Parou de se cobrar resultados a longo tempo. Ficou evidente
demais saber do amanhã quando o desfecho do hoje ainda não foi escrito!
É tão inverídico planejar, viver restrições que na realidade
são reflexos sociais, quando aquilo que realmente nos dá paz é simples. O eu, o
tu, o nós, essa voz que arrebata chamada consciência não pode ser moldada como
se fossemos produtos fabricados em larga escala.
Nesse palco em que nem sempre a sinceridade pauta os atos,
em que o status é exacerbado a essência única de cada um transbordou-me a forma
pronta e reordenei espaços.
Não, não mudara o estilo do meu pensamento, apenas verteu
uma escrita que passou a ser livre, sem máscaras metafóricas além do
necessário.
A alma passou a ser soberana até das dúvidas, porque as
certezas não traziam tranquilidade. A brevidade de tudo é clara e não assusta.
A impossibilidade de mudar, para melhor ou para pior sempre foi o maior
pesadelo, o entrave no processo de evoluir.
Aquilo que parecia ser clichê - de que as pessoas são o que
são continuava a provar-se ser clichê.
Cada coisa tem seu lugar no espaço apenas por um tempo. Para
que perpetue o seu valor e seu reconhecimento precisa desconstruir-se, reparar
falhas, falas...
De tudo que habita o ser, da mística velada, da moral, a
ideia de plenitude temporal do agora deveria ser uma constante, sem
imaturidades ou impulsos incoerentes.
Mudar nem sempre é melhorar, ainda que às vezes sejam
processos idênticos em suas causas e efeitos, o fato é que nada permanece
inalterado quando verdadeiramente passamos a conhecer a nós mesmos.